Ser plantonista!

Um dos maiores desafios do plantão obstétrico, pelo menos pra mim, são aquelas pacientes que chegam com 4, 5 ou 8 cm, com cesariana eletiva marcada e você tem a difícil missão de explicar que o bebê poderia ou deveria nascer de parto. Afinal de contas, grande parte do caminho já foi percorrido e ela talvez nem tenha se dado conta.
Como plantonista, minha função é orientar, jamais convencer. Até porque, a maioria das pacientes têm médico assistente e a responsabilidade/conduta, é deles. Se eu concordo com todas as orientações? Não, mas esse é um problema meu. Preciso aceitar e respeitar decisões. Foi fácil entender isso? Não, precisei voltar para terapia, aprender a escutar sem ouvir (entendem), deixar passar. Tenho uma colega de plantão (Rebecca) que sempre me diz: “você faz a tua parte, tua consciência está tranquila. Ponto!”
Quando eu escolhi fazer parto ao invés de cesariana - o caminho mais difícil - eu sempre soube que não seria fácil. Porém, quando eu virei plantonista percebi que seria mais difícil do que eu imaginava. Já internei paciente com 4 partos prévios, em trabalho de parto, para cesariana. Motivo? Por que sim. Era madrugada, fiz os papéis, internei a paciente e fui pro meu quarto, minha cara estava péssima. Minha equipe (enfermeiras e técnicas) me olharam incrédulas e uma delas perguntou: “como assim, vai deixar operar?” “Sim, não é problema meu, ou melhor, não é minha função.”
Tenho uma frase que uso como mantra nesses momentos - “Cada um tem o obstetra que merece”. Repito muito este mantra, para minhas colegas de trabalho, para as doulas que convivem mais de perto comigo, e para algumas que nunca me viram, mas me pedem ajuda em situações parecidas com essa que eu descrevi. A frase, eu sei, parece grosseira, mas se você ler e ouvir com cuidado, faz todo o sentido. A escolha da via de parto começa, fundamentalmente, na escolha da equipe que vai te assistir e no local onde você pretende parir.
Outro dia alguém me perguntou se eu não ia interferir na indicação de cesariana, se eu não poderia dar uma “segunda opinião”. Sim, posso, mas quem precisa pedir é o médico assistente. Jamais vou me intrometer na sua indicação, mesmo que eu não concorde com ela. Hoje eu fico bem tranquila com isso. Não sofro mais, não me deixo abater. Vivemos numa era de acesso muito fácil a informação. É quase impossível você passar 9 meses sendo acompanhada por uma pessoa sem perceber que ele não faz parto, ou não faz parto nos moldes que você preconiza. Buscar informação é um direito da paciente e também seu dever.
Por outro lado, perdi as contas de quantas pacientes chegaram em trabalho de parto, querendo cesariana a qualquer custo, e depois de uma conversa, algumas orientações sobre analgesia, manejo não farmacológico da dor, toparam tentar. Estas pacientes proporcionam para nós, plantonistas, uma sensação de “missão cumprida”.
Então, se um dia vocês ouvirem meu mantra, não me achem grosseira, não me achem mal educada. Eu não posso interferir em condutas que não são minhas. Posso até dar minha opinião, mas não a conduta. Nossa obrigação como plantonistas é atender emergências/urgências obstétricas e comunicar o médico assistente das pacientes. O desfecho é sempre deles.
A não ser, claro, que a paciente opte por ter seu bebê com o plantão obstétrico. Eu, sinceramente, acredito que esta seja a evolução da obstetrícia num futuro não muito distante. O plantão, em geral, têm mais tempo, mais disponibilidade e mais paciência para manejar trabalhos de parto ou então aquelas induções infinitas. Porém, essa ainda é uma discussão que precisa ser muito amadurecida. Nossa cultura de médico assistente ainda é muito forte.
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